Coluna do Castello    
 

Políticos começam a ficar apreensivos

O presidente eleito, Fernando Collor de Mello, deverá viajar dia 30 para o exterior sem ter baixado a ponte de acesso de sua fortaleza aos políticos. Para quem olha de fora vai se adensando a visão de alguém que quer manter distância, sem dar resposta aos acenos de cooperação e apoio que lhe mandam ansiosamente do outro lado. Alguns políticos já começam a manifestar apreensão com o isolamento de quem, escolhido para governar pelos próximos cinco anos, preserva uma taxa de imprevisibilidade maior do que aquela a que estão habituados. O comportamento de Collor não deixa de lembrar o de Jânio Quadros que, eleito no final de 1960, mandou-se para a Europa, onde ficou até 15 dias antes da posse para só então pensar no Ministério cuja composição deixara provisoriamente a cargo de assessores. O atual presidente eleito deverá ficar fora no máximo por 10 dias, mas o fato é que, afora algumas figuras menores, não abriu o flanco aos negociadores dos partidos e aos anseios pessoais dos políticos. Tudo por enquanto está a cargo da sua assessoria.

A esta altura ninguém pode prever com segurança quem será ministro, ou não. Pouco adiantam as notícias plantadas aqui e ali para dar impressão de que fulano ou sicrano será ministro. Os próprios interessados sabem que não é verdade. Ou ainda não é verdade. Há, nesse particular, uma peculiaridade a registrar: a dificuldade de escolher ministros entre deputados. Todos eles, sem exceção (entre os senadores, dois terços permanecem por mais quatro anos), estão com o mandato expirante e, se querem preservar sua autonomia, deverão renovar o mandato a 3 de outubro, isto é, terão de se desincompatibilizar a 3 abril, poucos dias depois da posse num posto executivo. O provável é que não haja deputados entre os ministros, salvo se o presidente escolher entre políticos confessadamente sem futuro ou bastante desprendidos que pouco lhes importa sacrificar a deputação ao serviço do país.

A incompatibilidade entre o exercício de cargo executivo e a candidatura a eleições é instituto que tende a se tornar anacrônico, na medida em que aumenta a taxa de independência do eleitorado e cai o poder do governo de influir no processo eleitoral. Com o parlamentarismo, que se avizinha, a inelegibilidade é simplesmente obsoleta, não se justificando de forma nenhuma. Em 1960, Tancredo Neves e seu gabinete renunciaram ao governo para renovar seus mandatos. A Constituição, apesar de ter adotado o parlamentarismo, ainda impunha o princípio da incompatibilidade, hoje praticamente inexistente nas democracias européias e na norte-americana. Esse é um tema a ser colocado para discussão e exame numa eventual reforma constitucional por envolver atualização e modernização de institutos políticos.

A atitude do presidente eleito é compreensível, pois pretende ele obviamente preservar sua futura equipe do desgaste antecipado e da solicitação de antecipações inconvenientes para quem deverá tomar, ao empossar-se, medidas cujo sigilo possa ser um dos elementos de êxito. Além desse cuidado, no entanto, é possível que Collor tenha um projeto pessoal que pretenda tornar ostensivo, de não descer no governo a intimidades com políticos cujo mau conceito genérico tornou-se evidente na última campanha eleitoral. O futuro chefe do governo poderá pensar em não se deixar contaminar pela contigüidade com tecidos mortos do organismo social. Mais cedo ou mais tarde, porém, ele se defrontará com a realidade incontornável de que governar envolve basicamente decisões políticas a serem tomadas no âmbito da convivência dos poderes e das instituições. Ruim com os políticos, pior sem eles.

A convivência poderá se dar com o resguardo das distâncias. Se os poderes devem ser harmônicos é importante também que sejam independentes. E essa pode ser a intenção de Collor ao tentar conduzir com impessoalidade relações com o Congresso e com os partidos que, bem ou mal, ainda estão na base da sua composição. Cooperação institucional e independência na tomada de decisões em que se acentue a co-responsabilidade de presidente e parlamentares nos destinos comuns do país. Tudo quanto se disser a respeito continua, porém, a ser pura especulação, pois na verdade Collor não se abriu aos políticos nem à opinião do país, que continua a encará-lo com alguma esperança, mas também com alguma apreensão. Afinal ninguém sabe bem o que ele é e o que ele quer.

Plástica na cara de velha
Um dos convivas políticos do governador Orestes Quércia dizia a propósito da proposta de renovação do PMDB: "Renovar o PMDB é como fazer plástica na cara de velha".

Carlos Castello Branco

 
Jornal do Brasil 27/12/1989