Coluna do Castello    
 

Os problemas da abrilada

Brasília — Hoje devo começar por duas retificações. A primeira refere se ao Sr Paulo Egídio, que, ao contrário do que aqui se registrou, fez críticas às reformas e as considerou prejudiciais à Arena, sobretudo na parte em que estabelece o mandato-tampão de dois anos para prefeitos municipais a serem eleitos em 1980. A segunda refere-se ao Sr Sinval Guazzelli, que, ao contrário do que ele programara, permaneceu em Brasília por mais 24 horas além do previsto e foi recebido pelo Presidente da República, a quem falou, segundo disse, de problemas de enchentes no seu Estado. Fica como impressão subjetiva a observação de que as respostas às mudanças de 19 de abril geraram nuanças do comportamento palaciano em relação aos três grandes. O terceiro, como se sabe, é o Governador de Minas.

Não sabemos em que medida o Senador Petrônio Portela influiu para o mandato-tampão de prefeitos destinado a promover, evitando-se a prorrogação, a coincidência de mandatos. Coincidência de mandatos e prorrogação são duas concepções gêmeas e a primeira sempre foi invocada, salvo no caso do Presidente do Senado, que expressamente renegou a prorrogação, para abrir caminho à extensão dos mandatos sem consulta às urnas. A coincidência, no entanto, não nos parece do interesse do regime nem da conveniência dos Partidos. Eleição no Brasil, sobretudo neste Brasil pós-março de 1964, é encarada como uma crise e não como a efetivação de uma prática institucional. Nos Estados democráticos, elas se repetem sempre que necessário e sua reiteração tem efeito educativo e elimina delas a excepcionalidade que adquirem quando são muito distanciadas.

Por outro lado, o normal será que não se confundam eleições municipais com eleições federais e estaduais e o ideal mesmo seria que houvesse um pleito para cada nível de divisão política do país. Quanto ao voto vinculado, cuja adoção foi igualmente preconizada pelo Presidente do Senado por motivos mais casuísticos do que doutrinários (ela asseguraria em 10 Estados a vitória dos candidatos da Arena ao Senado), é compreensível que se recorra ao método para integrar a representação parlamentar do Partido no Congresso e nas Assembléias, encorajando a fixação de uma mentalidade partidária, mas nada justificaria sua extensão a eleições majoritárias nas quais o eleitor se pronuncia sob inspirações freqüentemente extrapartidárias. A vinculação deveria ser obrigatória, quanto à eleição majoritária, apenas nos casos da escolha do Presidente e do Vice-Presidente da República, a do governador e do seu vice. Desastradamente, a Constituição de 1946 permitia a eleição de um Vice-Presidente de Partido diferente do Partido do Presidente e até mesmo eleição de vice-governador desvinculado de qualquer candidato a governador.

Toda a legislação eleitoral que temos ai, depois do 19 de abril, como de resto o era já na fase anterior, é casuística. Portanto, provisória. Vale para a próxima eleição, se é que chegará até lá sem sofrer modificações. O próprio regime sob o qual vivemos é de resto provisório desde que ele se assenta num ato de emergência e se caracteriza como um estado de exceção. Para manter a exceção, é que se fizeram cálculos aritméticos para fundamentar legislação eleitoral. Procuravam-se equações que resolvessem dificuldades a que a ciência política não poderia acudir. Isso tudo, portanto, vai mudar, seja pelo restabelecimento da ordem constitucional, seja pelo reordenamento dessa ordem mediante a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, que tende a ser uma reivindicação crescente, como sempre, das forças oprimidas e não das forças opressoras.

Por enquanto, cabe esperar os resultados do casuísmo abrilino, os quais poderão ser contrários aos interesses do sistema, apesar da matemática que lhe serve de pressuposto. Na véspera, vale atender ao apelo do Deputado José Bonifácio, que propôs uma campanha nacional contra a prorrogação dos mandatos, praga que nos ameaça desde o fim da primeira legislatura do regime de 1946. Ela é antidemocrática e imoral e o líder do Governo na Câmara deve dar seqüência a uma campanha que merece aplausos de quantos não temem renovar seu mandato na boca da urna. O Sr Bonifácio poderia de resto prosseguir na sua batalha pela extinção da Lei da Fidelidade Partidária, que restaurou uma das coisas mais antiquadas da organização política, que é o mandato imperativo. Apesar da sua atitude de hoje, a que foi conduzido pela competição, na adesão, inspirada na luta pelo controle de Barbacena, o Deputado José Bonifácio construiu em outros momentos a imagem de um político liberal, respeitável por sua combatividade a que sempre aliou uma habilidade que o aproximou pelo menos de um dos seus ancestrais, o Antônio Carlos que presidiu a Constituinte de 1934.

O balanço da situação é que as reformas de abril não satisfizeram aos políticos, e a Arena, que se procurou beneficiar, sente-se frustrada e ameaçada. O Presidente Geisel, porém, parece pouco flexível e dificilmente alterará as decisões que tomou no seu gabinete, sob sua própria responsabilidade, enquanto, fechado, se deixou o Congresso na mais ansiosa das expectativas.

Carlos Castello Branco

 
Jornal do Brasil 23/04/1977