Coluna do Castello    
 

O Presidente no centro das pressões

Brasília (Sucursal) — Não há dúvida de que às pressões políticas por aberturas corresponderão pressões revolucionárias por endurecimento. É o que se entende no MDB, no momento em que o Partido procura definir suas táticas de luta em favor da normalização democrática, ou seja, da revogação do Ato Institucional n.º 5.

A Oposição está alertada, de resto, para os sintomas de reação do sistema que se produzem dêsde as vésperas da eleição, quando, ao mesmo tempo em que se realizava operação antisubversiva, se registravam atos tomados como de simples advertência aos ativistas para que mantivessem sua atividade no nível consentido. Reflexo dêsse quadro seria o discurso presidencial, sempre lembrado, do último dia de outubro, com o qual evidentemente se reduziram as perspectivas do episódio eleitoral de que resultou o atual Congresso.

O caso do sequestro do Embaixador da Suíça terá dado sua contribuição ao aumento da vigilancia do aparelho de segurança ampliando-a para além das áreas especificamente vinculadas ao terrorismo. Isso é da natureza do processo, cujas medidas preventivas se irradiam dos núcleos para as áreas periféricas ainda que por simples associação subjetiva.

O Presidente da República, duplo de comandante da Revolução, situa-se na convergência das pressões, cumprindo-lhe manter o equilíbrio possível que lhe permita superar as contradições para a tentativa de conduzir o barco ao pôrto para onde se destina. Nota-se, através das declarações dos políticos mais chegados ao sistema, como, por exemplo, o líder Geraldo Freire, o cuidado do Govêrno de conter as manifestações políticas, impedindo que a Arena se associe por qualquer forma à ofensiva oposicionista reivindicatória de aberturas democráticas.

É possível que a êsse movimento do Presidente da República, dirigido ao setor parlamentar, corresponda um outro na direção do setor tipicamente revolucionário. Algo deverá ser feito para conter as reações no limite depois do qual haverá uma mudança de substancia na própria situação do país.

O General Médici certamente nenhuma responsabilidade terá em certas práticas que se vão sucedendo na política repressiva, como a prisão de um rapaz que ousou pregar sua gaiola de passarinho na cêrca de um estabelecimento militar. Ou como o hábito de prisões realizadas sem que as vítimas percebam se estão sendo exatamente prêsas ou apenas sequestradas. O capuz tornou-se um instrumento comum aos dois tipos de ação. E em ambos os tipos de detenção os gentes não se identificam nem se fica sabendo o destino dado a pessoas arranhadas de suas residências ou de seus escritórios. Pensamos, é claro, no caso do ex-Deputado Rubens Paiva, de sua mulher e de sua filha, caso que não foi o primeiro, pois também em novembro três advogados foram vítimas do capuz e do rapto por pessoas não identificadas.

É de presumir-se que os agentes da lei agem em. nome da lei e em conformidade com o seu ritual. Êles devem começar por apresentar sua identidade, realizar a prisão pacificamente quando não houver resistência e assumir a responsabilidade pública pelo ato ainda que mantenham, se fôr o caso, a incomunicabilidade do detido. O que excede a tôda compreensão é que agentes da segurança façam sortidas misteriosas acrescentando ao cerceamento da liberdade o panico das pessoas ligadas ao prisioneiro. Isso é alastrar a insegurança e agravar o mêdo ao arbítrio de que se faz uso tão sinistro.

É evidente, como dissemos, que o Presidente da República nada tem a ver com tais procedimentos. Mas assim como atua sôbre a área política, para conter iniciativas que lhe dificultem o caminho, é de presumir-se que lhe caiba igualmente diligenciar no sentido de retirar à ação dos agentes policiais essa nota de provocação e de irresponsabilidade no exercício da função. É o mínimo que se há de esperar na execução da política de equilíbrio reivindicada pelo Govêrno, desde que não há notícia de que alguém responda por atos como os acima lembrados.

Casos como aquêles deterioram o prestígio da autoridade e difundem um certo clima de irresponsabilidade dentro do qual — para citar apenas uma manifestação ridícula — se tornam possíveis fatos como o de Cabo Frio, onde um delegado exibicionista deve ter causado mais danos ao turismo local do que os tupamaros ao turismo de Punta del Este.

Se o General Médici está convencido de que patrioticamente e com vistas ao objetivo comum deve conter as pressões tidas como intempestivas para revogar o Ato Institucional n.º 5, seria lícito esperar dêle que obtenha do aparelho de segurança uma ação mais conforme às metas igualmente comuns, pois todos supomos estar marchando para um regime de liberdade com responsabilidade. De democracia com segurança.

Carlos Castello Branco

 
Jornal do Brasil 29/01/1971