Coluna do Castello    
 

Meios de proteger Direitos Humanos

Brasília (Sucursal) — Do seu pôsto de observação, no Supremo Tribunal Federal, o Ministro Bilac Pinto deve estar acompanhando com interêsse os debates que se travam em tôrno do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, concretização de uma idéia sua. Os deveres da egrégia discrição lhe impõem silêncio sôbre o assunto, seja sôbre o projeto de reforma através do qual a liderança do Govêrno propõe mudanças na estrutura e no funcionamento do órgão, seja sôbre a própria experiência do colegiada. Seria curioso, todavia, saber o que êle pensa dos resultados obtidos e se hoje, pôsto novamente diante do problema, êle ainda se animaria a propor a formação de um conselho semelhante.

A idéia do antigo presidente da UDN inspirava-se certamente na voçação liberal que o levou a participar de lutas pela restauração e pelo fortalecimento de instituições democráticas no país. Êle imaginou que a melhor maneira de dar consequência à adesão do Brasil à Declaração de Direitos das Nações Unidas seria a constituição de um órgão especialmente destinado a velar pelo respeito aos direitos humanos, diligenciando para que se apurassem as fraudes e as violências e impondo-se, pela preocupação exclusiva e obsessiva, como o instrumento adequado a assegurar a fidelidade brasileira ao mais alto dos seus compromissos internacionais.

Tratava-se de uma iniciativa de cunho idealista e como tal foi formulada e realizada, embora com a pretensão de ser uma armação realista e eficaz. Hoje já temos a medida exata para avaliar o valor da experiência, cujos fundamentos são respeitáveis mas cuja efetividade não correspondeu aos sonhos do professor Bilac Pinto. Parece claro a esta altura que não há fórmula para organizar um Conselho de Defesa dos Direitos Humanos e estabelecer seu funcionamento real. Qualquer que seja sua composição e quaisquer que sejam as normas de trabalho, um conselho como êsse que se criou não alcança seus objetivos. Quando êle se faz necessário, não pode funcionar e quando pode funcionar é que já não se faz necessário. Ou a Justiça protege os direitos humanos ou ninguém mais o fará.

A afirmação dos direitos humanos é a consequência lógica e necessária do estado de direito, da existência de leis que os definam e que prevejam os mecanismos de sua proteção através do exercício livre, autônomo e harmônico dos podêres públicos. Suspensas as garantias constitucionais, concentrados os podêres num só, ao qual se atribui a suprema autoridade em todos os assuntos, não há mecanismos engenhosos que possam se substituir ao regular funcionamento das instituições.

No entanto, a lei do Conselho, suas tentativas de atuar, os propósitos de reformá-lo, tudo isso tem oferecido uma contribuição ao debate político na medida em que se transforma em ponto de fixação para o exame indireto de realidades implícitas. Sob êsse aspecto, o Conselho do Ministro Bilac Pinto vai desempenhando um papel nessa hora em que se procura reencontrar o caminho, cujos acessos estão sob contrôle do poder revolucionário.

Com processo de luta, a atitude da Oposição em relação àquele órgão tem sua validade. De fato, porém, para alcançar a essência das finalidades a que se destina, a posição mais realista ainda é aquela a que se referia ontem o Senador Daniel Krieger, quando convocava as bancadas do Govêrno e da Oposição a continuarem a dar ao Presidente Médici a colaboração indispensável a que êle cumpra o elenco de compromissos assumidos ao tomar posse da Presidência da República. A atitude do Senador Krieger é de confiança e de esperança, fundadas no transcurso do tempo e no esfôrço cooperativo de que haverão de resultar não só o desenvolvimento como também a plenitude democrática.

A Oposição não pode abdicar dos seus próprios meios de luta mas poderá ajudar, ao longo do tempo previsto, oferecendo ao Presidente o estímulo da sua esperança de que se alcancem tôdas as metas. O MDB ainda não pode aspirar a ampliar suas possibilidades de acesso ao poder. O objetivo imediato que se desdobra à sua frente parece ser o mesmo a que alude com discreta emoção o Senador pelo Rio Grande do Sul: o de estabelecer como conclusão do processo revolucionário um estado de direito. Só êste assegurará proteção aos direitos humanos.

Carlos Castello Branco

 
Jornal do Brasil 06/11/1971