Coluna do Castello    
 

Oportunidade de tirar a limpo

BRASÍLIA (Sucursal) — Dispõe-se o MDB, por intermédio do Deputado Oscar Pedroso Horta, líder em exercício, levar para a tribuna da Câmara o debate em tôrno das denúncias de tortura de presos políticos. O assunto já tem sido ali ventilado, em têrmos gerais, entre outros pelo próprio Sr. Horta. No entanto, o Partido da Oposição, considerando certos ângulos da conjuntura, preferiu até o momento não ir ao caso concreto. Fatos não foram, portanto, arrolados na tribuna da Câmara, dando notícias de episódios que justificariam a denúncia genérica que tem sido ali feita e que ali também tem sido genèricamente repelida.

Quer-nos parecer que a decisão do Sr. Pedroso Horta, de trazer à luz do dia denúncias até aqui envolvidas nas pastas dos dossiês que o Sr. Lucena pretende apresentar, quando oportuno, ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, representa uma colaboração efetiva do MDB a um problema de govérno.

Poucas questões se apresentam tão complexas e difíceis para as autoridades revolucionárias quanto esta da suposta tortura de presos políticos. Denúncias não verificadas internamente têm sido ventiladas no exterior, projetando-se na base delas uma imagem tenebrosa do Brasil de hoje, no entanto com um saldo positivo de realizações materiais que deveriam justificar um tratamento benigno do nosso país por parte da imprensa mundial.

Revelando publicamente Tatos que chegaram ao seu conhecimento, o MDB trará o assunto do exterior para o interior e dará a todos, Govêrno e Oposição. a oportunidade de tirar a limpo versões que tem se afirmado tão danosas ao conceito nacional. O que disser o Sr. Horta e o que disserem outros deputados que se credenciaram a ser ouvidos se constituirá em matéria de exame a que não se furtarão as autoridades. O tema das torturas deixará de ser assim um tema tabu e o Govêrno deverá enfrentá-lo objetivamente e não mais na base da negativa chapada, justificável até aqui apenas vela circunstância de que as denúncias internas não situaram fatos concretos.

Insistimos em que, assim, o MDB colabora, pois dá ao Govêrno a oportunidade de. proceder a investigações baseadas não em denúncias anônimas mas em fatos alegados da tribuna da Câmara dos Deputados. O Govêrno poderá destruir as versões mas poderá também confirmar alguma coisa, se fôr o caso, sem que isso importe em quebra da sua autoridade e do seu prestígio. Na medida em que tratar o assunto cruamente, objetivamente,

Govêrno federal estará demonstrando não ser cúmplice de qualquer prática desumana porventura registrada nos presídios brasileiros. E estará sobretudo criando a oportunidade, de que necessita, de identificar e punir responsáveis eventuais, para eliminar a solidariedade indireta e presumida das autoridades com fatos que, se verdadeiros, deformam, êles sim, a imagem de uma nação generosa, que tem sido capaz, no curso da sua história, de resolver seus problemas sem recurso sistemático à violência.

Essa, portanto, a oportunidade de fazer as retificações e os retoques na imagem que se projeta de nós lá fora. O Govêrno não se rebaixa nem se condena apurando o que deve apurar. Melhor seria que as coisas se verificassem agora, com todo o rigor, do que esperar que, mais tarde, algum impressentido Graciliano Ramos atormente as futuras gerações com novas Memórias do Cárcere.

Se há riscos em tais investigações, êsses riscos devem ser enfrentados. O Govêrno não se arrependerá de agir lisa-mente, pondo-se à altura das suas responsabilidades e dos seus compromissos de levar o país à plenitude democrática.

Carlos Castello Branco

 
Jornal do Brasil 30/07/1970