Coluna do Castello    
 

Comêço e fim dos Esquadrões

BRASÍLIA (Sucursal) — O Govêrno está enfrentando uma questão difícil, nessa tentativa de identificar os membros dos diversos Esquadrões da Morte para promover sua punição e seu afastamento dos quadros policiais. A máquina policial habitualmente abriga no seu seio elementos facinorosos, cuja vocação muitas vêzes desperta no clima de violência em que são chamados a atuar. No Rio de Janeiro tornaram-se famosos, tempos atrás, os cadáveres de marginais boiando nos rios das vizinhanças. Nesse tempo ainda não se falava em Esquadrão mas policiais inescrupulosos já executavam sumàriamente, não se sabe sempre com que inspirações.

A direção da polícia, normalmente entregue a pessoas idôneas, evidentemente não se acumpliciou jamais com as práticas dêsse tipo, mas não é excessivo admitir que autoridades intermediárias sentem-se intimidadas em lidar com problemas que afetam os quadros policiais e para cuja solução nem sempre contam com a cobertura adequada.

O reaparecimento dos Esquadrões da Morte, ou sua institucionalização para recorrer à terminologia em curso, deu-se, segundo o noticiário comum, por volta de 1968. O pretexto para a organização de bandos armados com fins de eliminar por meio mais barato e mais rápido criminosos aos quais se atribui alto nível de periculosidade foi a necessidade de melhorar o mais depressa possível o nível de segurança das cidades e dos cidadãos. Os policiais que assim agiam como que pediam a simpatia da população para uma tarefa de saneamento que se fazia em substituição à ação morosa e nem sempre eficiente da Justiça.

E' óbvio que os integrantes dos Esquadrões se julgavam ou ainda se julgam credores da gratidão pública. Eles aspiravam a que se reconhecesse como serviço público o assassínio organizado de bandidos que proliferavam na promiscuidade e na miséria dos morros. Eles afinal lutavam pela segurança, palavra mágica que passou a inspirar ilimitado respeito depois que a preocupação com a segurança ascendeu à prioridade absoluta. O impacto da colocação do problema, que se pretendeu resolver sumàriamente numa ação motivada até mesmo em inspiração moral, não permitiu que a presença dos Esquadrões fôsse desde logo devidamente e criteriosamente analisada. Com isso chegou-se em determinado momento quase a encarar como heróis bandidos que, com as insígnias do poder, faziam a limpeza dos morros e favelas.

Favoreceu essa deturpação de conceitos e de organização a circunstância de que, eliminado o Estado de direito, as autoridades de nível inferior se julgavam beneficiárias das imunidades, que no seu caso se confundem com impunidade, dadas pelos estatutos revolucionários aos chefes do poder nacional. A data não do aparecimento do crime como meio de ação policial mas de sua organização em larga escala é significativamente a de 1968.

A impunidade efetiva os estimulou até o espetáculo, que provocou revolta geral, trazido para as primeiras páginas dos jornais, de um grupo de policiais fotografados de armas em punho e ainda excitados pelo sangue fresco de um marginal tombado numa empreitada de vingança.

O Govêrno do General Médici, que já revelava preocupação com o assunto, mobilizou-se para enfrentar o problema, o que deve estar gerando a maior crise no organismo policial. Com a atitude do Presidente e o empenho pessoal do Ministro da Justiça em fiscalizar as investigações, o Govêrno quebra o clima mágico de favorecimento ou de vistas largas dentro do qual se criaram e prosperaram os Esquadrões da Morte. Todo o pêso da autoridade está lançado na identificação e na punição dos criminosos acobertados pelas insígnias da polícia. Isso provoca desde logo o que, em linguagem também atual, se chama de reversão de expectativas. Daqui por diante, o clima se altera e as dificuldades irão levantar obstáculos à marcha do assassínio organizado em nome da moral, dos bons costumes e da rapidez da Justiça.

A tarefa é imensa e envolve aspectos específicos, de cumplicidade e de solidariedade dentro do aparelho. Não é de crer-se que tudo seja tirado a limpo nem que se ponha fim de uma vez por tôdas à tendência de certos policiais para agirem facinorosamente. O Govêrno, todavia, assumiu suas responsabilidades de tal modo que daqui por diante, a ninguém, dentro das organizações policiais, será mais lícito distinguir o bandido que assalta no êrmo e em horas furtivas do bandido que pretende agir em nome da sociedade e do poder público.

Carlos Castello Branco

 
Jornal do Brasil 31/07/1970