Coluna do Castello    
 

A política da boa imagem

BRASÍLIA (Sucursal) — O Govêrno, como se sabe, tem melhorado sua comunicação com o povo, realizando esforços para alcançar alguns setores específicos de atrito. Há progressos visíveis nessa política de distensão e uma das faixas em que ela tem produzido resultados é a das relações com os religiosos. A partir da última Conferência Nacional dos Bispos realizada em Brasília, malgrado o tom de denúncia do documento então emitido e a citação de fatos concretos de tortura que teriam sido examinados pela hierarquia da Igreja Católica, ambas as partes, Govêrno e clero, concordaram em realizar um esfôrço de harmonização e de entendimento em benefício do país e da melhoria do clima geral.

Essa espécie de trégua não chega a ser quebrada pela nota agora divulgada pelos bispos do Nordeste relativa a prisões arbitrárias e a maus tratos infligidos a dois sacerdotes. Veemente na acusação, o tom geral da nota é de apêlo, no pressuposto de que haja uma política definida capaz de eliminar episódios como o de que ali se trata, pela verificação da denúncia e a punição dos culpados. Além da ação própria, o Govêrno dispõe agora, no Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, pôsto em funcionamento a ritmo regular, de meios de contenção e de repressão das manifestações que não se coadunem com sua orientação geral, que se pretende humanitária e conforme os preceitos da civilização ocidental e cristã.

Deve-se presumir que as denúncias veiculadas anteriormente em Brasília tenham sido explicitadas perante as autoridades, de tudo resultando a investigação dos fatos. Há fortes indícios de que discretamente o General Médici tem mandado apurar tôdas as denúncias dêsse tipo, inclusive as que se difundem no exterior, para adoção, quando ê o caso, das medidas cabíveis. A atuação do Govêrno nesse setor corresponderia a uma espécie de compromisso tácito em cujo cumprimento se encontra um dos fatôres de alívio das relações entre a Igreja e o Govêrno.

O assunto tem preocupado o Presidente Médici desde que assumiu a Chefia do Estado. Essa preocupação não se prende exclusivamente à repercussão das denúncias no exterior, o que, no entender das autoridades, envolve uma verdadeira campanha antibrasileira. Prende-se ela também ao próprio desejo presidencial de manter a repressão política no nível compatível com a responsabilidade do Govêrno para com seus cidadãos.

Tudo quanto tem sido feito nesse setor é mantido sob prudente sigilo, com o qual pensariam as autoridades evitar explorações e acirramento de paixões políticas. Admite-se, no entanto, que dentro de algum tempo tudo estará esclarecido e repostas em execução as normas de humanidade e de respeito a tôdas as pessoas que, por um motivo ou outro, caem nas mãos das autoridades encarregadas da repressão às fôrças subversivas.

Quando o Govêrno afirma que não há tortura no Brasil, faz uma declaração formal relativa à sua faixa de contrôle e de responsabilidade. Os fatos que divergirem dessa afirmação, como o de que se toma agora conhecimento atravês da nota dos bispos do Nordeste, constituem transgressão de instruções e burla de uma orientação geral, que não perderia a oportunidade de se fazer totalmente respeitada.

O Presidente Médici está, portanto, atento aos seus deveres e consciente de que projetar do seu Govêrno uma boa imagem interna e externa se inclui na estrita linha das suas responsabilidades. E' difícil medir até que ponto incidem os Interêsses políticos na divulgação pela grande imprensa internacional de denúncias contra autoridades brasileiras. Não há negar, todavia, que a esquerda internacional se mobiliza para dar amplitude e repercussão a notícias e reportagens sôbre o assunto. De qualquer forma, tal tipo de campanha, jamais, em tempo algum, brotou do vazio. Para que essas coisas vicejem deve haver sempre um mínimo de fatos sem o que não haveria substância a alimentar por tanto tempo material jornalístico.

Faz bem, portanto, o Govêrno em investigar tudo e em apurar tudo, pois só assim o suporte de tais campanhas pode desaparecer. Isso representa, como atitude do Presidente, uma recusa de encampar eventuais torturas praticadas nos presídios e, como política, um esfôrço honesto de eliminar as deformações de uma imagem que todos desejamos a melhor possível, interna e externamente.

Carlos Castello Branco

 
Jornal do Brasil 30/08/1970