Coluna do Castello    
 

Imagem reflete fatos e intenções

Brasília (Sucursal) — Tudo indica que está em declínio o noticiário da imprensa mundial relativo a torturas no Brasil. Pelo menos tornaram-se escassas as informações das agências internacionais que dão conta da divulgação de denúncias e de críticas às autoridades brasileiras.

Algumas causas devem estar contribuindo para isso, e entre elas é justo ressaltar que providências do Govêrno brasileiro consolidaram internamente a impressão de que, se há casos eventuais de violência, isso não traduzirá mais uma omissão oficial, um fechar de olhos diante de práticas T.te teriam se registrado em certa fase das operações repressivas.

Govêrno Médici tem agido com severidade na eliminação de focos de abusos de autoridade, tudo feito sob o signo da silenciosa cautela que caracteriza as medidas políticas do Presidente da República. Para total convencimento, talvez se fizesse necessária a perfeita divulgação de um caso típico, pois a publicidade que a êle se desse ajudaria o Govêrno a normalizar definitivamente as práticas da repressão política no país.

Acreditamos que a campanha residual fora das fronteiras nacionais se deve precisamente a essa ausência de conhecimento de fatos concretos e de outras medidas, como, por exemplo, o acesso de correspondentes estrangeiros a presídios em que se acham recolhidos terroristas. Dados tais passos, o noticiário morreria de inanicão ou se vincularia a uma fase histórica 'sem incidência na realidade atual.

O saneamento da ação repressiva de qualquer forma representou muito mais para a melhoria da imagem do Brasil do que representaram os desmentidos governamentais, cuja credibilidade não poderia exigir-se de jornais estrangeiros municiados por vasto material informativo que a seus correspondentes não se permitiu verificar ser autêntico ou falso.

Entre nós, sabemos que os enérgicos desmentidos do Ministro da Justiça, vazados numa linguagem cujas sutilezas se identificaram internamente, traduziram clara condenação do Govêrno a agentes que tivessem abusado da sua autoridade e o anúncio de execução em larga escala de uma política nova. O que pode ser feito publicamente, como os inquéritos sôbre os Esquadrões da Morte, tem sido feito, mas é de supor-se que muito mais se fêz à sombra do sigilo oficial.

Dito isso, e enquanto certas providências não puderem ser tomadas, parece mais prudente ao Govêrno brasileiro evitar que se reavive em certos centros nevrálgicos o debate em tôrno da matéria. Até mesmo por coerência, o silêncio a que se submete a opinião interna deveria ser a técnica a utilizar-se no plano externo. Do contrário, o Govêrno estará sempre sujeito a episódios como o bloqueio, por manifestantes esquerdistas, da conferência que o Ministro Alfredo Buzaid pretendeu realizar em Bonn, como parte do seu programa de visita oficial à República Federal da Alemanha.

As intenções do professor Buzaid terão sido as melhores em Bonn como tem sido no Brasil, malgrado sua iniciativa de procurar na Espanha subsídios para aperfeiçoar nossas instituições jurídicas. Como membro eminente de um sistema de govêrno ainda condenado por veículos de divulgação, deveria prever a ação ofensiva de que foi vítima na capital alemã.

O precedente bem que poderia provocar recomendações especiais do Itamarati à delegação de parlamentares brasileiros que se encontra em Haia, levando na bagagem vasto material de divulgação que poderá se transformar em isca para novas manifestações de hostilidade ao nosso Govêrno, sobretudo num instante em que se reúnem na Holanda representantes de sistemas aos quais interessa afetar a imagem do regime brasileiro.

Com muito material de propaganda, mas com pouquíssimas informações, os deputados e 'senadores que seguiram rumo a Haia ofereceram-se para uma missão espontanea, inspirados não se sabe se pelo desejo de prestar serviços ao país ou simplesmente ao Govêrno. Como não são êles especialistas em ação diplomática nem em relações públicas, talvez melhor fôsse contê-los nessa espécie de zelo que poderá ser contraproducente.

Carlos Castello Branco

 
Jornal do Brasil 30/09/1970