Coluna do Castello    
 

Doutrina Gibson para imagem externa

Brasília (Sucursal) — Ainda não parece definitivamente fixada a doutrina oficial para explicar a campanha contra o Govêrno brasileiro no exterior. Ficamos sem saber se a campanha é movida por grupos esquerdistas internacionais, instruídos por brasileiros exilados, ou se ela é inspirada por correntes econômicas e políticas interessadas em torpedear o processo de desenvolvimento econômico do nosso país.

A última manifestação oficial a respeito está no recente discurso do Chanceler Mário Gibson. Suas declarações não se desdobram com simplicidade e há algo de complexo no pensamento que expôs. Entendemos que o Ministro atribui os ataques dirigidos ao Govêrno a que pertence a grupos ou pessoas que pretendem impedir o êxito de um modêlo de desenvolvimento econômico, adotado pelo Brasil, com base na organização democrática da economia e da política. Se estamos na pista, isso significa que a inspiração da campanha é antidemocrática e que ela é movida, embora em território democrático, por fôrças que não querem a proliferação de novos modelos democráticos. Seriam, portanto, dentro da Alemanha, dos Estados Unidos, da Holanda, da França, da Inglaterra, etc., os grupos ativistas de esquerda identificados como os elementos empenhados em impedir que um país subdesenvolvido vença sua condição atual recorrendo a esquemas estranhos ao socialismo.

Através dêsse esfôrço de interpretação, se entrosariam, assim, no pensamento do Ministro das Relações Exteriores, as duas tendências dominantes na tentativa de construir a doutrina que esclarecerá as bases da campanha externa contrária ao nosso Govêrno. Seriam, portanto, fôrças esquerdistas, subversivas, desejosas de torpedear o êxito de um modelo democrático de progresso econômico e social a fonte de todos os males que afetam a nossa já famosa imagem externa.

Com a doutrina Gibson, eclética, afasta-se a hipótese de que os países da Europa Ocidental e nos Estados Unidos haja hostilidade de organismos oficiais e de emprêsas ao desenvolvimento brasileiro. Sabe-se que os Ministros da área econômica que têm visitado aquêles países voltam sempre satisfeitos pela acolhida com que traduzem os europeus e norte-americanos o aprêço por nossa política econômico-financeira e o impulso de colaborar com nossos projetos nacionais. Os investimentos estão em expansão, o que revela crença no processo seguido pelo Brasil e confiança na estabilidade a que nos conduz o comando das finanças.

Há, todavia, alguns pontos fracos na doutrina Gibson, que poderá se tornar na doutrina do Govêrno. Um deles é a grande fôrça que se atribui ao ativismo esquerdista — em condições de afetar, através de publicidade, extensas áreas da opinião pública mundial. Mas isso é outra história, na qual não convém insistir. Fiquemos, por enquanto, na constatação de que seria um non sense que instituições oficiais e privadas das principais nações democráticas se empenhassem em torpedear um modêlo de desenvolvimento democrático que se processa em país de uma área especialmente visada pela subversão mundial.

Junto com as notícias do discurso do Chanceler Mário Gibson e das declarações através das quais o Ministro Jarras Passarinho deu conta da impressão que lhe causaram a ação antibrasileira no ' exterior, publica-se a informação de que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão da OEA, solicitou autorização ao Govêrno brasileiro para fazer um exame local com referência a denúncias em que se baseia a campanha externa. Está aí a oportunidade para que o Govêrno permita, no ambito dos organismos continentais, o cabal esclarecimento de assunto tão incômodo para um Govêrno que se sente permanentemente injuriado por fôrças hostis ao seu programa de ação.

Houve, como se sabe, uma tentativa da Cruz Vermelha Internacional no mesmo sentido. Essa tentativa, no entanto, não prosperou por questões atinentes à interpretação linguística. No caso, a língua não será obstáculo maior desde que a fala portuguêsa não será obstáculo intransponivel a pessoas que falam o espanhol. A visita, agora pretendida, esclarecendo os fatos, dispensará o Govêrno do penoso esfôrço de construir uma doutrina tão complexa quanto os fatos que a propõem.

Carlos Castello Branco

 
Jornal do Brasil 30/10/1970