Coluna do Castello    
 

Como esclarecer fatos internos

Brasília (Sucursal) — A enérgica reação do Ministro Alfredo Buzaid à noticia de que o Conselho Interamericano de Direitos Humanos, órgão da OEA, pediria autorização ao Govêrno brasileiro para vir apurar aqui dentro as denúncias relativas a torturas antecipa a resposta que o Itamarati dará a tal pedido se êle vier a ser formulado. O Govêrno brasileiro considera ameaça à sua soberania qualquer tentativa de ingerência de organizações internacionais ou de pessoas estrangeiras nos assuntos internos do país.

Tal atitude, demonstrando zêlo, traduz o alto grau de sensibilização das autoridades nacionais provocado pela campanha externa que se desenvolve em escala inimaginável contra nosso Govêrno. Firma-se, portanto, a doutrina de que os assuntos internos brasileiros sòmente se tratarão no âmbito interno, seja qual fôr o tipo de pressão que se exerça sôbre o país.

Em cada momento da vida de uma nação, as decisões de govêrno se elaboram tomando como referência o conjunto de realidades que compõem o quadro do poder. O conhecimento dessas realidades poderá explicar, assim, independentemente de posições doutrinárias, a decisão de agora, enfàticamente anunciada pelo Ministro da Justiça. A resposta que deu, boa ou má, é a resposta possível, a que brota espontâneamente da verdade política do Brasil de hoje.

O Ministro Alfredo Buzaid, como se sabe, tem se esforçado, desde que chegou ao Govêrno, para aliviar as tensões internas, notadamente no campo da preservação dos direitos humanos. Deve-se a êle a relativa reativação do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana e as providências federais relativas à apuração dos crimes do Esquadrão da Morte. Sua ação teria certamente ido mais além se a conjuntura geral se mostrasse mais flexível do que é na realidade.

Apesar de suas reiteradas declarações e dos seus esforços objetivos, o Ministro tem conseguido escasso rendimento na tentativa de eliminar a grave repercussão externa das denúncias que continuam a ser formuladas contra autoridades do país. Ao rejeitar a iniciativa da OEA, o Ministro anunciou concomitantemente a disposição do Govêrno de fazer qualquer coisa para esclarecer fatos internos, desde que não tenha sua soberania atingida.

É difícil imaginar que outras medidas possam ser tomadas, a não ser que pretenda o Govêrno transformar em fato suas intenções de restaurar o Estado de direito com tôdas as suas implicações. Ou que pretenda assegurar pelo menos o exercício pleno de algumas liberdades, como a de imprensa, coisa que por si só daria oportunidade a que se esclarecessem em definitivo, com segura acolhida externa, os fatos que são objeto das denúncias tão repercutidas na Europa e nos Estados Unidos.

As medidas tomadas intramuros pelo Govêrno, sem que delas haja precisa informação levada ao público pelos veículos idôneos, não produzirão o efeito desejado de desmontar a campanha que se pratica com tanto êxito lá fora. Não acreditamos que o Govêrno do General Médici esteja envolvido, pelos seus altos escalões, em fatos que o Presidente condena e em práticas que tem declarado intoleráveis. Se a apuração pública de tudo se fizesse, o Govêrno não teria certamente seu conceito afetado pela verificação de erros ou fraudes que não se praticariam sob suas instruções nem sob seu beneplácito. Muito pelo contrário.

Êsse é um problema a requerer para sua solução o jôgo da verdade, na sua crueza e na sua simplicidade, pois só assim se chegará a uma conclusão satisfatória para o Govêrno e para o país. Só assim se removerão os pretextos que alimentam a impiedosa campanha que se move no exterior contra o Govêrno revolucionário.

Carlos Castello Branco

 
Jornal do Brasil 31/10/1970