Coluna do Castello    
 

Torturas não são apuráveis

Brasília — O Senador Petrônio Portella colocou com propriedade o problema do sigilo que deve cercar os trabalhos do Conselho de Defesa dos Direitos Humanos, resguardado o dever dos membros que representam entidades de produzirem seus relatórios perante a coletividade que representam. Como medida cautelar, visando a impedir que se exponham nomes de pessoas envolvidas em denúncias ainda não apuradas, o sigilo se justifica. O que fica, porém, evidente na entrevista do Ministro da Justiça é a carência de meios de investigação do Conselho, que se limitará assim a examinar relatórios de seus membros sobre documentos que forem ali apresentados. O Conselho, como órgão de apreciação de fatos, é inócuo. Será no máximo um trâmite a mais para encaminhamento de denúncias, apenas um trâmite de peso grande no trânsito das denúncias contra abusos de autoridades e atentados a direitos humanos.

Embora o Ministro tenha dito o contrário, o Conselho, constituído na sua maioria por parlamentares governistas e funcionários do Governo, não poderá eximir-se de operar politicamente, sempre que seja do interesse do sistema no Poder que isso ocorra. Não é questão de honorabilidade dos seus membros, mas de fidelidade política. Os representantes da Oposição e os independentes poderão manifestar suas resistências e nessas horas difícil será manter o sigilo, a não ser que volte a ser suprimida a liberdade de imprensa. Aliás, foi à sombra da censura que o Ministro Alfredo Buzaid fez silenciar os líderes da Oposição com assento no Conselho, transformado afinal num veículo de aprovação de votos de louvor ao Governo.

O esforço do Ministro, pondo a funcionar o órgão virtualmente fechado pelo Governo anterior, é vincular a Presidência Figueiredo ao movimento de preservação dos direitos da pessoa humana. Os anteriores Governos militares foram alvo de denúncias específicas, jamais apuradas por aquele órgão na primeira fase e dificilmente apuráveis daqui por diante pela própria e já demonstrada inocuidade do aparelho.

O fato é que o debate em torno do Conselho amortece a repercussão da atitude das bancadas da Arena no Congresso bloqueando a constituição de uma comissão parlamentar de inquérito que, com propriedade e alguns instrumentos a mais — não todos, pois a Emenda n° l castrou a eficácia das CPI s — poderia ir ao fundo da questão. Mas se nos lembrarmos das sessões da última comissão de inquérito que funcionou em 1968, criada para apurar a invasão da Universidade de Brasília, percebe-se facilmente as razões que levam o Governo a poupar o Congresso do constrangimento de recusas de comparecimento. Militares que foram interrogados por jovens deputados radicais consideraram-se na época humilhados e ficou na mente dos seus companheiros a imagem daqueles dias sombrios.

Vale a propósito acentuar que, na linha da normalização democrática, é inevitável que se remova da Constituição o dispositivo que limita a cinco o número de comissões de inquérito a funcionar concomitantemente. Essa limitação, abusiva, tem sua explicação histórica nos abusos de parlamentares que constituíam comissões de inquérito para tudo e até para nada, mas a realidade é que a limitação do número de comissões dá ao Governo ou à maioria parlamentar o poder de desnaturar o instituto. Hoje só se criam CPIs consentidas, pois o rolo compressor da maioria funciona rapidamente para cercear o poder de fiscalização do Congresso em questões que não interessa ao Governo sejam investigadas a nível parlamentar.

Pela sua índole as comissões de inquérito são órgãos preferentemente de uso da Oposição, pois o que nelas se apuram são denúncias contra excessos ou mau uso do Poder. No passado, nas questões vitais, sucessivos Governos faziam abordar investigações, manipulando as comissões pela maioria. Citaríamos dois casos famosos. A comissão do pinho e a comissão para apurar a tentativa de seqüestro de Carlos Lacerda. Na realidade poucas comissões funcionariam e a que operou com maior notoriedade e resultados visíveis foi a comissão da Última hora, cuja organização e funcionamento intimidaram a maioria heterogênea e envergonhada de que Getúlio Vargas dispunha no Congresso.

O instituto deve ser restaurado e aperfeiçoado, de modo a que não se torne mero veículo de pressões políticas ou a impedir que os Governos cerceiem suas investigações pela manipulação da sua maioria parlamentar. No pé em que as coisas estão torturas não se apuram nem no Conselho, que não dispõe de poder para tanto, mas apenas para advertir, nem por comissões parlamentares de inquérito que os Governos fazem abortar ou impedem de funcionar.

Carlos Castello Branco

 
Jornal do Brasil 12/05/1979