Coluna do Castello    
 

A síndrome de Florianópolis

Brasília — Por mais que se reconheça o direito de, como pessoa, defender-se o Presidente da República de agressões verbais que lhe são dirigidas em praça pública ou nas ruas das cidades brasileiras, o episódio de Florianópolis veio a calhar para demonstrar ao General João Figueiredo que não é da natureza da sua função tentar popularizar-se no contacto direto com as multidões nem lhe cabe correr riscos a que não se deve expor um chefe de Governo nacional. Não se nega ao Presidente o mérito de ter descontraído a nação na medida em que descontraiu a pessoa do Presidente da República, hierarquicamente mantida à distância física e moral do povo nos tempos do seu antecessor. O Presidente despiu oposto das vestes imperiais e o vestiu na condição humana.

Esse um problema relacionado com a conduta do Presidente da República, que obedece ao seu temperamento e à sua maneira de ser. Mas o episódio de Florianópolis indica igualmente uma primeira e ainda tímida mudança de atitude dos grupos que se preparam para aprofundar a crise brasileira, levando seu desafio na cauda das procissões presidenciais. Florianópolis foi um sintoma de que a faixa radical da Oposição rearticula-se para a ação de rua e o protesto audacioso contra as condições de vida e a situação econômica cujas dificuldades são normalmente atribuídas ao Governo pelo simples fato de ser Governo.

E claro que o Presidente haverá de tomar suas cautelas e não manter seu esquema de popularização "à outrance", pois com isso estará dando oportunidade a manifestações que podem se avolumar e adquirir gravidade crescente. Na véspera, havia ele falado na hipótese do retrocesso político conforme o comportamento dos que lhe fazem oposição. Os Partidos oposicionistas, ainda em organização, estão neste momento sequer sem condições de organizar e ordenar ações de provocação, não lhes sendo atribuíveis agressões como as de Florianópolis. A Oposição, por outro lado, despedaçada por iniciativa do próprio Governo, terá seu setor mais radical como terá seu setor mais moderado disposto a repelir ações diretas que afetem a majestade da presidência da República.

Em Santa Catarina evidentemente não houve uma ação espontânea, mas uma ação que não pode ser debitada aos Partidos em organização. Há no seio da sociedade grupos que se animam, independentemente do processo político, ao protesto mais audacioso e isso é simplesmente o sintoma de que as coisas estão piores do que imaginam os avaliadores governamentais da situação do país. De eminentes senadores e de outros políticos situados no vértice do processo político ouvimos nos últimos dias manifestação de apreensão quanto ao pacifico desenrolar do quadro brasileiro, dada a incidência da brutal inflação que atingimos no conjunto das atividades nacionais. Prognósticos sombrios se fazem por toda a parte e no próprio Governo deverá haver setores intranqüilos com a tomada de consciência de que o Governo não chegou ainda a um ponto de unidade com relação a problemas fundamentais, na sua concepção quanto mais nas políticas a adotar.

A propósito lembrava-se que em poucas horas de intervalo o General Oziel, do CNP declarava que o Brasil não tinha petróleo nem dinheiro para comprar petróleo. O Ministro das Minas afirmava que tínhamos dinheiro, mas não tínhamos petróleo e o Ministro do Planejamento assegurava que temos petróleo e temos dinheiro. Afinal, em que ficamos, se o próprio Presidente da República, com 24 horas de intervalo, teve de fazer duas declarações diferentes sobre a questão do racionamento, cuja existência incipiente o Governo sequer diagnostica?

Tudo isso vai para incrustar nos comentários em que lamentamos a tentativa de desrespeito da pessoa do Presidente da República o lembrete de que não se tratou ali de mero caso pessoal, mas de sintomas de uma situação que já anima grupos minoritários que são a vanguarda de alguma coisa mais ampla a desafiar o Governo e a correr os riscos mais graves num país em que, malgrado o compromisso democrático do Chefe de Governo, existe ainda uma Lei de Segurança que se superpõe no seu espírito autocrático à própria Constituição.

O PMDB consolidou sua bancada de senadores, com apoio inesperado de senadores como os Srs Mauro Benevides, Gilvan Rocha, Adalberto Sena, Itamar Franco e Lázaro Barbosa, havendo ainda a esperança da adesão do Sr Dirceu Cardoso. O PDB ficou com os Senadores Tancredo Neves, Evelásio Vieira, Gastão Muller, Afonso Camargo, Mendes Canale e Alberto Silva. Mas não se deve dar como definitiva qualquer opção partidária. Basta lembrar que os Partidos se formarão ao longo de todo o ano de 1980 e somente disputarão eleições em 1982. Muita gente mudará de posição ou ficará na expectativa de situar-se adequada e oportunamente.

O Sr Leonel Brizola, com a disposição que não lhe falta, passará à ação direta no Rio Grande do Sul, realizando uma série de comícios e concentrações que o Senador Pedro Simon observará atentamente. Afinal, na força de Brizola, estará a medida da vitória ou da derrota do Sr Simon como candidato a Governador do seu Estado.

Carlos Castello Branco

 
Jornal do Brasil 02/12/1979